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O reggae é um gênero musical que tem suas origens na Jamaica. O auge do reggae ocorreu na década de 1970, quando este gênero espalhou-se pelo mundo. É uma mistura de vários estilos e gêneros musicais: música folclórica da Jamaica, ritmos africanos, ska e calipso. Apresenta um ritmo dançante e suave, porém com uma batida bem característica. A guitarra, o contrabaixo e a bateria são os instrumentos musicais mais utilizados.
As letras das músicas de reggae falam de questões sociais, principalmente dos jamaicanos, além de destacar assuntos religiosos e problemas típicos de países pobres.
O reggae recebeu, em suas origens, uma forte influência do movimento rastafari, que defende a idéia de que os afrodescendentes devem ascender e superar sua situação através do engajamento político e espiritual.
Na década de 1950, começam surgir os grandes nomes do reggae como, por exemplo, Delroy Wilson, Bob Andy, Burning Espear e Johnny Osbourne, e as bandas The Wailers, Ethiopians, Desmond Dekker e Skatalites. Nesta época, grande parte das rádios da Jamaica, de propriedade de brancos, se recusavam a tocar reggae. Somente a partir da década de 1970, o reggae toma corpo com cantores que ganham o mundo da música. Jimmy Cliff e Bob Marley tornam o reggae um estilo musical de sucesso no mundo todo. Em 1971, a música I Can See Clear Now de Johnny Nash, assume o topo na parada musical de várias rádios na Inglaterra e Estados Unidos.
A década de 1970 foi a época dos grandes sucesso do reggae. Várias músicas marcaram época e alcançaram o topo na lista de sucesso das rádios: I Shot the Sheriff (versão de Eric Clapton ), Peter Tosh com Legalize It e No Woman , No Cry de Bob Marley.
Vários cantores e bandas passam a incorporar o estilo reggae a partir da década de 1980. Eric Clapton, Rolling Stones e Paul Simon fazem músicas, utilizando a batida e a sonoridade dançante e suave. Atualmente, vários cantores e bandas fazem sucesso nesse gênero musical : Ziggy Marley, Beres Hammond, Pulse, UB 40 e Big Mountain.
Reggae no Brasil
Foi na região norte do Brasil que o reggae entrou com mais força. No estado do Maranhão, principalmente na capital São Luís, é comum a organização de festas ao som de reggae. Na década de 1970, músicos como Gilberto Gil e Jorge Ben Jor são influenciados pelo estilo musical jamaicano. Na década de 1980, é a vez do rock se unir ao gênero da Jamaica, nas letras do grupo Paralamas do Sucesso.
Na década de 1990, surgem vários músicos e bandas. Podemos citar como exemplo : Cidade Negra, Alma D'Jem, Tribo de Jah, Nativus e Sine Calmon & Morro Fumegante.
+ reggae
Vamos contar um pouco da velha história do ritmo de Jah e saber como ele saiu de uma ilha de proporções medianas e ganhou tamanha importância na cultura mundial. O reggae é visto aqui como uma forma musical que surgiu juntamente com a Jamaica independente, que completa este ano 40 anos de emancipação da Inglaterra. Por isso vamos mostrar desde as raízes do ritmo até suas manifestações mais recentes. Este artigo é uma edição revista do que saiu na revista Reggae News.
o local de origem do reggae é uma hoje famosa ilha caribenha, a terceira maior da região, com o tamanho equivalente à metade do território do estado de Sergipe. Desde o século XVI até meados do século XX ela foi submetida às políticas exploratórias do sistema colonial. A população nativa, composta pelos índios arawak, chamava a ilha de Xaymaca – Terra das Primaveras –, e tal denominação foi a única herança que deles restou, transformada em Jamaica.
A ilha foi "descoberta" por Colombo em 1494 e ficou sob domínio espanhol até 1660, quando foi tomada por piratas ingleses como Harry Morgan, mais tarde feito governador da nova colônia. Relegada a ser mais um fornecedor de cana-de-açúcar e outras matérias-primas, a ilha foi, por 250 anos, um dos muitos destinos dos africanos tirados à força de suas terras para trabalhar nas plantações do Novo Mundo. A grande maioria veio da costa ocidental do continente negro, de etnias como a dos Ibos, Coromantee, Hausa, Mandingo, Nagô e Yorubá. Os dois últimos povos também foram a origem de grande parte da mão-de-obra escrava trazida para o Brasil.
Um rabequeiro toca para duas jovens durante o período colonial (fonte: Biblioteca Nacional da Jamaica)
As tradições destes povos foram preservadas na Jamaica atual em comunidades como a nação Bongo, no leste da ilha, e entre os maroons (antigos quilombos). São comunidades que se dedicam a práticas religiosas chamadas por lá de kumina ou pocomania, parecidas com as que temos nas crenças afro-brasileiras, como o candomblé. No entanto a influência puramente africana na Jamaica é mais remota porque lá o tráfico de escravos foi abolido mais cedo, em 1807, enquanto que as colônias espanholas do Caribe, como Cuba, continuaram a receber novos escravos até 1860. Mesmo assim a música que vinha de seus tambores teve uma influência direta sobre o reggae, como pode ser ouvido em canções como “Rastafari is”, de Peter Tosh, ou no canto tradicional “Rastaman Chant”, gravado pelos Wailers no álbum “Burning”. As canções tradicionais têm o formato de chamado-e-resposta, base de todos os estilos de música negra. A música popular européia, na forma das quadrilhas e canções trazidas pelos ingleses e os intrumentos trazidos por estes, como a rabeca (desenho acima), também teve o seu papel na evolução musical jamaicana.
Mento
A fusão desses estilos, que hoje são considerados como parte do folclore da ilha, gerou o mento, forma musical aparentada com o calipso que usa uma grande variedade de instrumentos, como o banjo, flautins e o violão, muitos deles artesanais como flautas e “saxofones” de bambu. Ainda hoje existem bandas de mento na ilha, a mais famosa delas é a Jolly Boys, que chegou inclusive a gravar um reggae com Lee Perry, a bela “Concious Man”.
Banda de mento de Sugar Belly (com seu sax de bambu)
A grande contribuição do mento foi impulsionar a criação da indústria fonográfica jamaicana, já que os primeiros discos lançados por lá foram desse estilo. No entanto naquela época, primeira metade dos anos 50, já estava acontecendo uma migração considerável da população do interior para as grandes cidades e o mento, associado com as durezas da vida no campo, não conseguiu manter seu lugar no entre os jamaicanos. A levada do mento continua viva no reggae, principalmente em artistas como Eric Donaldson, The Starlights (as pedradas tão apreciadas no Maranhão, Piauí, Pará e outros lugares) e os Maytones, e também nos ritmos da era digital, que já a reaproveitou algumas vezes.
Imagem do site Mento Music
Em Kingston ou Spanish Town o som que mais agradava no final dos anos 50 era o rhythm & blues americano, que reverberava nas ruas através dos sound-systems, então um simples toca-discos ligado a uma ou duas caixas de som, mas que tinha potência suficiente para colocar todos para dançar. As músicas gravadas então nos precários estúdios disponíveis tentavam imitar o estilo americano. Isso mudou em 1961 com o lançamento de “Oh Carolina”, uma tentativa do produtor e dj Prince Buster de misturar os sons com que havia tomado contato nos rituais rastafari com o vocal do blues, algo totalmente diferente do que se ouvira até então. O sucesso foi enorme e pela primeira vez na Jamaica os tambores afro ganharam o rádio (em 1993 Shaggy fez uma versão ragga que estourou mundialmente). Era o início de um movimento de revalorização da identidade cultural da ilha, que chegaria ao auge em agosto do ano seguinte, quando ela conseguiu oficialmente se libertar da sua condição de colônia inglesa.
Ska
Steve Barrow chamou o ska de “declaração de independência musical jamaicana” , um estilo que nasceu ligado ao período de grande entusiasmo e afirmação dos valores culturais locais. Ao mesmo tempo que os discos de rhythm & blues ficavam cada vez mais difíceis de se achar, a Jamaica fervilhava de talentos musicais. O novo ritmo começou a surgir espontaneamente e apesar de muitos disputarem o título de “pai” do ska, como Prince Buster (foto abaixo), Clue J, Coxsonne Dodd e outros, ele foi na verdade uma criação coletiva, como costuma acontecer nesses casos.
O nome ska também é cercado de controvérsia. Alguns dizem que seria uma onomatopéia que imita a forma peculiar de tocar guitarra herdada pelo reggae (também chamada de tchaka-tchaka), enquanto outros juram que sua origem estaria na gíria das ruas, e seria uma abreviatura da interjeição de aprovação “skavoovie”. De qualquer modo, a levada vibrante do ska conquistou primeiro os guetos onde nasceu e logo seria aceita pelas platéias em toda a ilha.
Inspirado nas big bands americanas, o ska se impôs como um estilo tocado por grandes conjuntos, com destaque para o naipe de sopros.
Os Skatalites eram a banda principal, cujo nome era uma homenagem aos satélites de comunicação que estavam começando a interligar o planeta. Composta pelos saxofonistas Tommy McCook (que era o líder de fato do grupo) e Roland Alphonso, o trombonista Don Drummond e outros instrumentistas, era a banda de estúdio mais rodada de Kingston. Eles tocaram com os maiores talentos que emergiam na cena jamaicana, como Bob Marley, Peter Tosh, Lee Perry, Jimmy Cliff, Toots Hiberts and The Maytals e muitos outros.
Quase toda a primeira formação dos Skatalites excursionou pela Inglaterra com o nome de Soul Vendors em 1966. Da esquerda pra direita: Lloyd Knibbs (bateria), o cantor Alton Ellis, Lloyd Brevette (contrabaixo), Jackie Mitoo (órgão), Roland Alphonso (sax), Ernest Ranglin (guitarra solo), Johnny "Dizzy" Moore (trompete), Jah Jerry, (guitarra base) e o cantor Ken Boothe (com o pandeiro). Ellis e Boothe já são representantes do nascente rocksteady. McCook e Drummond não viajaram.
Outras bandas como as de Carlos Malcolm , Byron Lee e Baba Brooks também gravaram o ska. A banda percorreu toda a ilha e se apresentava sempre com grande sucesso. A delegação jamaicana que compareceu à Feira Mundial de Nova York de 1964 levou a banda de Byron Lee, diversos cantores e dançarinos de ska, institucionalizando pela primeira vez a música do gueto como representativa da cultura local.
Don Drummond
O Ska começou a perder força quando Drummond matou sua namorada, a cantora Marguerita, e foi preso. Os Skatalites começaram a se desmantelar e fizeram a última apresentação desta primeira formacão em 1965. Além da queda de Drummond, algumas características da geografia e do contexto cultural jamaicano começaram a influenciar a evolução dos estilos musicais locais. Primeiro: o fato de ser um mercado pequeno (a ilha tinha na época um milhão e meio de habitantes), pobre e auto-centrado, com pouca ou nenhuma participação das gravadoras multinacionais no processo. Segundo: não se gravavam álbuns inteiros, mas sim compactos de 7 polegadas, com uma ou duas faixas de cada lado.
Assim, a produção e divulgação das músicas era tão ágil que as faixas eram gravadas e mixadas durante a manhã, prensadas à tarde e tocadas à noite nos bailes, os dancehalls, que eram animados pelos sound systems. Além disso, como os artistas ganhavam por faixa gravada, sem receber direitos autorais das dezenas de pequenas gravadoras locais, a produção era intensa. O pequeno poder aquisitivo da população condicionava um processo que levava o público a, primeiramente , ouvir, sentir e dançar cada faixa, para depois decidir se valia a pena comprar o disco correspondente, ação que era acompanhada de perto pelos produtores e músicos.
Deve-se acrescentar ainda a força da intensa competição entre os diversos sound systems, como os de Coxsonne, Reid e os tradicionais Metro Media e Kilimanjaro. Os seus donos estavam sempre à procura de novas sonoridades que poderiam chamar a atenção dos freqüentadores dos bailes e bater os rivais, como aconteceu várias vezes na história do gênero. A Jamaica se transformou em um laboratório sociocultural vivo e dinâmico, tocado, entre outros fatores, pelo ritmo da música.
Por tudo isso, no verão de 1966, o ska seria substituído no coração do público da ilha por uma nova batida, o rocksteady, assunto da parte 2 da nossa História do Reggae.
Somente vinte anos depois os Skatalites voltariam a tocar juntos, tornando-se parte de uma bem-sucedida retomada do ska, que foi iniciada na década de 1970 pelos filhos dos imigrantes jamaicanos na Inglaterra, formando grupos interraciais como The Specials (ver capa do compacto "Gangsters" abaixo), The Selecters etc.
Nomes importantes dos anos 60, como Rico Rodriguez (foto abaixo) puderam gravar novamente. Hoje o ska ganhou novo fôlego com a chamada third wave, através de grupos com o Hepcat, Toasters e muitos outros que podem ser acompanhados em nossa coluna sobre o ritmo, Skarcéu.
Os Skatalites continuam na ativa, quem quiser conferir basta acessar o site da banda. Para quem quer ouvir algumas faixas da época pode acessar a rádio da BBC inglesa e navegar pelos links sobre o assunto. O ska está mais vivo do que nunca!!
Formação recente dos Skatalites. Os remanescentes da primeira formação são Lloyd Brevette (sentado) e Lloyd Knibbs (último à direita)
Leia mais sobre o ska na biografia de Coxsonne Dodd.
Segundo Roland Alphonso, foi o sucesso da música "Simmer Down", onde os Wailers eram acompanhados pelos Skatalites, que encorajou a banda a se lançar como atração independente e fazer shows.
As faixas de ska geralmente tinham nomes chamativos, às vezes baseados nas notícias dos jornais, como "President Kennedy", "Lee Oswald" , "Fidel Castro" ou pitorescos como "Ball of Fire" e "El Pussy Cat" para atrair a atenção para um gênero ainda carente de estrelas.
O atual primeiro-ministro da Jamaica, PJ Patterson (na foto á cima), era na década de 1960 um empresário musical (produziu vários shows dos Skatalites), e um advogado iniciante. Foi ele quem defendeu Don Drummond em seu julgamento pela morte da esposa Marguerita. Alegando insanidade (o que parecia ser verdade), Patterson livrou Drummond da pena de morte, mas este acabou morrendo em uma instituição para doentes mentais em 1968.
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Fontes para este artigo: Steve Barrow - Rough Guide to Reggae, K. Chang e W. Chen - Reggae Routes, DAvis e Simon -Reggae Bloodlines, Notas de Cds de Ska.
Os mais influentes produtores do SKA foram os seguintes:
DUKE REID - Tresure Isle
COXSONNE DODD - Studio One
LESLIE KONG - Beverley's
PRINCE BUSTER
As grandes vozes do Ska foram:
DELROY WILSON
ERIC "MONTY" MORRIS
DESMOND DEKKER
STRANGER COLE
JUSTIN HINDS
DOREEN SCHAEFFER
LORD TANAMO
THE MAYTALS
THE WAILERS
Jamaican Ska - Coletânea que saiu no Brasil e ainda pode ser achada em algumas lojas e sebos. Tem clássicos como "The Higher the Mountain Climbs", de Justin Hinds and The Dominoes e "Lucky Seven", dos Skatalites, além de outras que vão mais para o lado do rocksteady, como "Wear You to The Bal", do U Roy e "Boom Shacka Lacka", de Hopeton Lewis. O ponto baixo são algumas versões que não fazem juz aos originais, mas o saldo é altamente positivo.
Foundation Ska (Heartbeat) - Algumas das melhores faixas dos Skatalites.
Ska Bonanza (Heartbeat) - Ótima coletânea de ska e R&B jamaicano, CD duplo indispensável. Ver capa no início da matéria.
Trojan Ska Box Set - Caixa com 3 CD's contendo algumas das jóias do extenso catálogo da Trojan.
Considerado por muitos como a era de ouro da música jamaicana, o período correspondente ao Roots Reggae (1968-1985), marcou a diversificação e a expansão do ritmo de Jah para novas fronteiras musicais e geográficas.
Hoje em dia, depois da popularização mundial do reggae, este termo passou a ser utilizado também para designar toda a produção musical da Jamaica nos últimos quarenta anos, o que ressalta a unidade musical do gênero ao longo deste tempo. Contudo, o reggae propriamente dito foi batizado em 1968, com a canção “Do the Reggay” (assim mesmo, com a grafia errada), de Toots Hibberts e os Maytals.
Atualmente, esse período inicial do ritmo de Jah é chamado de roots reggae (reggae de raiz) ou simplesmente roots. Embora hoje a maioria dos regueiros chame de roots qualquer reggae que não seja baseado em ritmos eletrônicos, essa classificação do estilo como pertencente a uma época específica ainda é a mais aceita e usada nas principais fontes de informação sobre o tema.
Existem muitas versões para a origem do nome reggae, entretanto a mais aceita é a que este seria uma adaptação da palavra “ragged”, que indica uma roupa suja e rasgada ou a pessoa que a usa. O nome é uma indicação clara das origens do reggae, que nasceu nos barracões de zinco das favelas jamaicanas, em um período de intensa experimentação musical, absorvendo as contribuições do ska e do rocksteady e canalizando tudo em um novo gênero musical.
Disco da gravadora anglo-jamaicana Pama Records, de 1969, um dos primeiros a usar a palavra Reggae na capa.
Tudo isso aconteceu também porque uma nova geração de músicos estava surgindo no final da década de 1960 e início da de 1970. Eram artistas como Aston "Familyman" Barret, Leroy "Horsemouth" Wallace, Earl "Chinna" Smith, Max Romeo, entre outros, que buscaram marcar presença alterando a interpretação do ritmo. O que eles fizeram foi dar mais importância à bateria e à guitarra na mixagem, elaborar linhas de baixo mais pulsantes e menos melódicas e cantar de forma mais áspera. Mais uma vez a situação econômica, social e cultural da ilha teve influência marcante, pois a principal mudança ocorreu nas letras, que estavam mais impacientes, menos inocentes e mais contundentes que as do rocksteady.
As expectativas por uma vida melhor, alimentadas no calor da independência da Jamaica, não estavam se cumprindo, o êxodo rural se intensificava, o desemprego aumentava e as condições de trabalho não melhoravam. Os artistas se tornavam porta-vozes da desilusão e da raiva do povo e influíam no direcionamento destes sentimentos. O movimento religioso conhecido como rastafari também alcançou grande repercussão entre a população carente e os artistas do reggae. O forte comprometimento com a denúncia e com a transformação social, juntamente com a mensagem religiosa, se tornaram os fundamentos do reggae. Muitos artistas apareceram nessa época (veja a lista ao final do texto) e contribuíram para ampliar a força do ritmo.
Em termos musicais, as primeiras canções que anunciaram a nova tendência foram clássicos como "People Funny Boy", de Lee Perry (foto acima), "Nanny Goat", de Larry Marshall e "No More Heartaches", dos Beltones, que aceleravam um pouco a batida do rocksteady sem chegar ao andamento frenético do ska. A canção de Perry usava efeitos sonoros como choro de bebê e garrafas se quebrando, deixando claro que os técnicos de som e produtores iriam interferir mais no resultado final do que antes. Esta tendência acabou se confirmando e desembocou no Dub.
Muitos artistas estavam chegando do campo e traziam para a cidade uma sensibilidade diferente e uma carga cultural local mais intensa. Alguns vinham de comunidades com forte influência da cultura rural, que ainda ouviam bastante o mento (ver na Primeira Parte da História do Reggae), diretamente ligado à matriz africana. Cantores como Eric Donaldson e Justin Hinds faziam parte desta leva, com fortes laços com o interior da ilha. Ao mesmo tempo, estava em gestação entre outros músicos e produtores um novo estilo, mais cosmopolita, que iria fazer com que o reggae alcançasse finalmente o público fora da Jamaica.
Bob Marley em 1974
Bob Marley e a internacionalização do reggae
Até o início dos anos 1970, o ritmo de Jah estava restrito à sua terra natal e às comunidades jamaicanas encravadas nas grandes cidades inglesas, americanas e canadenses. Na mesma época em que o reggae nascia na Jamaica, os artistas exilados também começaram a produzir música, principalmente na Inglaterra, onde uma forte cena foi construída desde o final dos anos 1960 por nomes como Dandy Livingstone, Laurel Aitken, Winston Groovy e outros (que são assunto para outro artigo). Esta conexão inglesa se tornou uma ponte para o mercado internacional, que seria finalmente atingido com a ascensão do grupo conhecido como Bob Marley and The Wailers.
Em 1971, depois de sete anos de carreira na Jamaica e sem conseguir com a música mais do que o minimamente necessário para a sobrevivência, os Wailers (Bob Marley, Peter Tosh e Bunny Wailer) juntaram algum dinheiro e fizeram apresentações pela Inglaterra, onde seu trabalho era razoavelmente conhecido. Lá foram abandonados pelos organizadores da excursão, mas conseguiram se salvar graças a um contato com o anglo-jamaicano Chris Blackwell, dono da gravadora Island. Tal encontro iria mudar o reggae para sempre e abrir as portas para que o ritmo jamaicano chegasse a lugares que seus idealizadores nunca imaginariam, como o Brasil.
Peter Tosh
O grupo assinou um rápido contrato com a Island e gravou na Jamaica as bases de um disco que foi trabalhado desde a concepção visando uma audiência específica: o público de rock. Para tanto foram realizadas várias adaptações no reggae roots. Para começar, este álbum, o hoje famoso “Catch a Fire”, foi gravado como uma unidade, enquanto que os álbuns de muitas faixas lançados na Jamaica eram na verdade compilações de compactos. Canções antigas como “Stir it Up”, de Marley e “Stop that Train” , de Peter Tosh, foram regravadas e outras foram compostas especialmente para o disco. A duração das faixas foi aumentada para quatro, até cinco minutos, contra três minutos em média para os reggaes produzidos anteriormente.
Além disso o álbum foi remixado por técnicos ingleses nos equipamentos mais avançados da época, para que, entre outras coisas, fosse dado menos destaque ao baixo tocado por Aston “Family Man” Barret e Robbie Shakespeare (este último apenas na faixa "Concrete Jungle"). Também foram acrescentadas as linhas de guitarra do roqueiro Wayne Perkins, alguns teclados e uma percussão básica. Para finalizar o trabalho, muito tempo foi gasto para “limpar” o som e deixá-lo mais claro, dentro dos padrões internacionais.
O que poderia ter resultado em uma espécie de “frankenstein musical” se tornou a gênese de um novo estilo do reggae. Porém o processo de adaptação do ritmo jamaicano ao gosto da audiência roqueira acabou também por influir na relação de Marley com Peter Tosh e Bunny Wailer. Blackwell queria promover o primeiro como a cara do grupo, pois queria divulgá-lo à maneira das bandas de rock (que sempre tinham um vocalista principal) e também porque achava o formato do trio vocal ultrapassado. A mudança de nome para Bob Marley and The Wailers foi o sinal de que o produtor conseguiu o seu intento. Os dois companheiros se sentiram deixados de lado e logo sairiam dos Wailers, deixando Marley livre para se tornar o primeiro superstar do Terceiro Mundo. O lado bom de tal rompimento foi que Tosh e Bunny também ganharam condições de desenvolver um trabalho solo excepcional, embora não tenham alcançado o sucesso comercial do antigo parceiro.
Os Wailers ensaiam no estúdio da Island em 1972
O primeiro álbum de Bob Marley and The Wailers por uma grande gravadora estabeleceu novos padrões para o reggae. Ele praticamente criou um novo estilo, que o dub poet Linton Kwesi Johnson chamou de “reggae internacional” . É o modelo adotado por artistas oriundos dos Wailers como Peter Tosh, alguns dos herdeiros diretos de Marley, como os filhos Ziggy, Julian e Demian, além de artistas e grupos que estão na ativa hoje, como Burning Spear, Culture, Black Uhuru, Third World, Aswad e Steel Pulse.
É o reggae internacional que serve como referência para a maioria das pessoas em todo o planeta, um estilo caracterizado pelo uso mais destacado da guitarra, dos teclados e dos instrumentos de sopro, uma versão do ritmo que faz mais concessões de apelo comercial, mas que não abre mão de alguns dos conceitos e mensagens caros ao gênero, como o entrelaçamento entre a mensagem espiritual e política.
Apesar deste processo ter mantido algumas das características essenciais do estilo, a grande maioria das bandas jamaicanas que adotaram esta interpretação do reggae tiveram que fazer uma escolha entre o mercado interno da ilha e a audiência externa. Isso aconteceu porque, se o reggae internacional teve um impacto entre os artistas da Jamaica, também foi rejeitado pela maior parte do público local. Muitos artistas tiveram que emigrar para a Inglaterra ou para os Estados Unidos, enquanto outros adotaram uma “carreira dupla”, gravando álbuns para serem lançados no mercado externo através das grandes gravadores, enquanto colocavam nas lojas da Jamaica compactos mais sintonizados com o que estava sendo feito localmente.
Na colagem da revista americana Black Music é possível reconhecer Burnig Spear (terceiro da esq. para dir.), Big Youth (de óculos escuros), Toots Hibberts (com o microfone), Bob Marley (com a guitarra em punho), U Roy (de baseado na boca) e King Tubby (de coroa)
O reggae cresce e se multiplica
Jacob Miller (na foto cantando com o Inner Circle) participou do filme 'Rockers'
Na segunda metade dos anos de 1970 apareceram os "Rockers", novos artistas como o instrumentista Augustus Pablo, o baterista Sly Dunbar e os cantores Johnny Clarke e Hugh Mundell. Eles tentaram responder à internacionalização do reggae radicalizando a forma de tocar e os temas abordados nas letras, desacelerando o ritmo musical (aproximando-se do rocksteady) e afiando ainda mais as palavras. Curiosamente a maioria não esteve presente no filme "Rockers", lançado em 1978. Como este filme mostrou, a filosofia rasta estava no auge, fazendo com que muitos artistas se convertessem à causa. Inspirados por ela, grupos como Ras Michael and the Sons of Negus e o de Count Ossie faziam dos tambores nyabinghi, tocados nas celebrações rasta, a base do seu som. O rastafarianismo.
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